Afinal, quem tem Bolsa Família não quer trabalhar? – 07/02/2025 – Laura Machado

Afinal, quem tem Bolsa Família não quer trabalhar? – 07/02/2025 – Laura Machado

“O beneficiário do Bolsa Família não quer trabalhar.” Essa frase tem sido recorrente na sociedade brasileira e, geralmente, tal conclusão decorre de um episódio em que um beneficiário relata não aceitar um emprego formal com carteira assinada para não perder a transferência de renda. No entanto, será que a única explicação possível para a rejeição a um emprego formal é a falta de vontade de trabalhar?

Talvez, ao não aceitar um emprego formal, o beneficiário esteja motivado a continuar trabalhando (ou já esteja trabalhando), mas apenas no setor informal. Sua preocupação é a perda de transferência de renda que a formalidade implica. Por isso, só aceita o emprego informal. Isso é diferente de não querer trabalhar.

É possível que beneficiários não tenham interesse em que a sociedade reconheça que estão produtivamente ativos, mesmo que de forma esporádica, realizando bicos, faxinas ou qualquer outra atividade.

O incentivo à informalidade é um dos fatores que geram a falsa impressão de que as pessoas não querem trabalhar. E mais, esse incentivo pode vir do próprio Bolsa Família.

A renda do trabalho formal não pode ser omitida, pois não passa despercebida pelo governo. No entanto, no Cadastro Único, estamos aceitando declarações de renda do setor informal com imperfeições.

Os cadastradores nem sempre realizam visitas domiciliares ou acompanham o beneficiário em suas atividades de inclusão e, portanto, pode haver uma subdeclaração da renda do setor informal. No setor formal, essa subdeclaração dificilmente acontece.

Trabalhadores formais e informais que geram a mesma renda com seu trabalho têm implicações diferentes no Bolsa Família. O trabalhador formal tem mais perdas, o que pode representar uma possível discriminação contra ele. Para os formais vulneráveis, a lei.

Portanto, é possível que a sociedade brasileira esteja equivocada na percepção de que os vulneráveis não trabalham: eles estão no trabalho invisível. Uma simples mudança na forma de contabilização da renda para o Bolsa Família resolveria essa desigualdade.

Para conceder o benefício, o Cadastro Único pergunta sobre toda a renda da família no momento da entrevista: sabemos os rendimentos provenientes do trabalho, aposentadoria, pensão, seguro-desemprego, auxílio-doença, entre outros. A partir do cálculo desses rendimentos, analisamos se a família é ou não beneficiária. No entanto, se considerássemos a renda do trabalho —e somente ela— de forma diferente, a desigualdade entre formal e informal poderia ser resolvida.

Por exemplo, para aqueles que recebem até um salário mínimo, seja do setor formal ou informal, esse valor não seria contabilizado no cálculo de acesso ao benefício. Assim, aplicaríamos a mesma regra para ambos. Para quem ganha entre um e dois salários mínimos, consideraríamos metade desse valor, e, a partir de dois salários mínimos, a renda seria contabilizada integralmente. Além de gerar igualdade entre as duas formas de trabalho, essa medida incentivaria o emprego em ambos os setores.

Com um ajuste operacional desse tipo, todos passariam a declarar sua renda do trabalho da mesma forma. Teríamos a oportunidade de obter um cadastro mais fidedigno, com informações mais precisas. Poderíamos conhecer melhor as condições dos vulneráveis no mercado de trabalho e aperfeiçoar as políticas necessárias. Afinal, a invisibilidade e a desigualdade de tratamento apenas dificultam a entrega de direitos a quem mais precisa.


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