Cidades do Brasil expõem distorção de renda; veja exemplos – 19/02/2025 – Mercado

Cidades do Brasil expõem distorção de renda; veja exemplos – 19/02/2025 – Mercado

“Para a pessoa que não tem, qualquer ajuda é importante”, relata a professora e cordelista Magaly ao economista Pedro Fernando Nery, que a visitou em Severiano Melo, cidade no sertão do Rio Grande do Norte que mais recebeu, proporcionalmente, o Auxílio Emergencial durante a pandemia e depois o Bolsa Família.

O benefício provisório pago por ocasião da crise sanitária, papel reassumido depois pelo Bolsa Família, ajuda a medir os abismos que separam diferentes cidades, estados e regiões do país, em que as desigualdades se impõem.

Em “Extremos” (ed. Zahar; 367 págs.; R$ 76,62), o doutor pela UnB (Universidade de Brasília) e consultor legislativo do Senado visitou oito destinos para ver de perto as disparidades do país apontadas nos números. Neles, encontrou relatos de um Brasil ainda desigual.

Um dos comparativos mais surpreendentes é o do número de aposentados por municípios, compilado a partir de dados da Previdência Social.

Neste caso, o destaque positivo vai para as gaúchas Nova Petrópolis (com 68,5% de sua população aposentada) e Campo Novo (53%). Na outra ponta, aparecem Caracol (PI) e Bocaina de Minas (MG), ambas com 6,5% de aposentados.

Martim Wissmann, vice-prefeito e secretário de Saúde e Assistência Social de Nova Petrópolis, atribui os números à qualidade de vida do município de 23,5 mil habitantes.

“A cidade é pequena, segura, e um lugar onde se pode andar tranquilamente na rua. Muitos a escolhem como destino depois da aposentadoria, pela segurança.”

De acordo com o secretário, a cidade conta com atendimento básico de saúde e a proximidade com a Grande Porto Alegre (a 90 km) e Caxias do Sul (a 34 km) ajuda a resolver casos mais complexos.

“O custo de vida também não é alto, o pessoal na zona rural tem uma média de aposentadoria de um a dois salários mínimos, mas eles têm a própria terra, casa própria, uma horta. Isso ajuda a ter uma vida boa. Um filho que não trabalha na zona rural continua morando lá, o idoso acaba ficando na sua propriedade.”

Para Nery, Nova Petrópolis, a capital previdenciária do Brasil, é didática em mostrar que em um país tão desigual até o gasto considerado social tem dificuldade em chegar em lugares pobres.

“Há diversos exemplos de gasto público que beneficia principalmente famílias brancas com bom acesso à educação e trabalho, diz o economista à Folha.

“Às vezes, procurava em uma entrevista um desejo de mudar de cidade, no caso do município com pior índice de desenvolvimento —Ipixuna, no Amazonas.”

Na cidade, a 1.364 km de Manaus, o pesquisador pôde comprovar na paisagem de palafitas da comunidade sem acesso à creches para crianças de até três anos o que apontavam os números do Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal. Nele, a amazonense aparece na última posição.

Já o distrito de Pinheiros, em São Paulo, possui IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, que varia de 0, o mais baixo, a 1, o mais alto) de 0,965 ponto, o que o coloca no topo do ranking que considera longevidade, educação e renda.

Essa classificação usa dados do Atlas Brasil, uma parceria do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), a Fundação João Pinheiro e o Ipea.

No comparativo por estados, a renda per capita (por pessoa) em 2023 era de R$ 3.357 no topo da lista, o Distrito Federal, e de R$ 945 no outro extremo, o Maranhão, de acordo com a Pnad-C (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Contínua), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Nery destaca que o Distrito Federal chama atenção para as distorções do funcionalismo, uma desigualdade que certamente não se limita ao cenário de Brasília.

“Na verdade, os maiores supersalários hoje no Brasil estão sendo pagos nas esferas estaduais, não na União. Veja os R$ 12 bilhões de penduricalhos pagos pelo Judiciário em 2024, R$ 9 bilhões nas esferas estaduais. Estamos falando de juízes com remuneração média de R$ 80 mil em estados em que 50% da população vive abaixo da linha da pobreza.”

Quando a variável é a longevidade, a violência vitimiza principalmente na juventude e a falta de acesso a serviços médicos na primeira infância têm peso fundamental.

No topo do ranking está o Morumbi (na zona sul de São Paulo), com 0,957 ponto (em uma medida de 0 a 1), enquanto Mocambinho (na capital do Piauí, Teresina) tem a pontuação mais baixa, de 0,681, também de acordo com o Atlas Brasil.

Apenas no primeiro dia de 2025, a região da capital piauiense registrou três homicídios, de acordo com informações da Polícia Militar.


Hoje morador de Curitiba, Elias dos Santos, 35, passou parte da vida em Mocambinho. “É um lugar que para sempre estará no meu coração, onde estão muitos amigos e muitas memórias, mas preferi me mudar. Muitas coisas estão melhores do que antes, há uma luta por reconhecimento de propriedade e as pessoas começam a conquistar sua identidade”, resume.

“Há a frustração, o lamento, mas também o desejo de que as coisas melhorem onde se está.

É como se pessoas muito pobres tivessem realmente algo relevante a nos ensinar sobre viver com adversidade”, diz Nery.

Em sua avaliação, apesar das desigualdades persistentes, o Brasil fez diversos progressos desde a redemocratização e da Constituição de 1988, que não devem ser menosprezados, como a redução do analfabetismo, o aumento da expectativa de vida e a elevação dos anos de estudo na média.

Para ele, a democracia brasileira tem funcionado em reduzir desigualdades. “Mas o copo meio vazio é que a velocidade não parece estar a contento. Sabemos, por exemplo, que existe uma concentração de renda muito grande entre o 1% mais rico, que leva cerca de 25% da renda. Até a década passada, estávamos entre os cinco piores do mundo. Não é pouca coisa.”

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