Empresas do RS mudam de lugar para fugir de inundações – 04/02/2025 – Mercado

Empresas do RS mudam de lugar para fugir de inundações – 04/02/2025 – Mercado

A sucessão de enchentes no Rio Grande do Sul levou o empresário Renato Arenhart, 60, a buscar refúgio em um dos terrenos mais altos de Lajeado, no Vale do Taquari, a 114 km de Porto Alegre. É lá que ele e a família erguem, do zero, a nova sede da Lajeadense Vidros.

A empresa é uma das que precisaram mudar de lugar para fugir do risco de novas inundações. Sob o fantasma da repetição da tragédia, outras companhias trilham o mesmo caminho.

Fundada há 66 anos, a Lajeadense operou um terço deles no centro da cidade, às margens do rio Taquari, o mesmo que a engoliu na enxurrada de maio de 2024. Quando a água baixou, restavam apenas destroços de vidro, entulho e a carcaça retorcida do prédio.

“Aqui é cota 70”, diz Arenhart ao mostrar o terreno onde a nova fábrica é construída. Isso significa que o rio teria de subir 70 metros acima do nível do mar para alcançar a nova sede da companhia. Para se ter uma ideia, o edifício antigo, varrido pela enchente, estava na cota 23. “Se chegar [na cota 70], é porque acabou o estado inteiro.”

A mudança de local é uma questão de sobrevivência. A sequência de três enchentes, em setembro e novembro de 2023 e em maio do ano passado, fez a Lajeadense Vidros acumular um prejuízo na casa dos R$ 70 milhões.

Após a primeira enxurrada, sócios e funcionários da Lajeadense Vidros se uniram para limpar as dependências da empresa e fazer a manutenção dos equipamentos para tentar retomar a produção, que girava em torno de 20 mil metros quadrados de vidro ao mês.

“Depois dessa [enchente de maio] não tinha mais o que limpar. Estava demolido”, conta Arenhart. “Tem máquinas aqui que não voltaram porque deu enchente, a gente reformou e estragou de novo [com outra inundação].”

O novo terreno fica às margens da BR-386, uma das principais rodovias que cortam o estado. Ela faz a ligação entre Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, com o norte gaúcho. A mudança deve facilitar a logística, mas demandará um investimento total de R$ 40 milhões, já incluída a compra da área num momento de alta de preços.

A empresa conseguiu, após alguns meses, acessar linhas emergenciais de crédito para bancar os custos da obra e se manter funcionando. “Não é suficiente [para cobrir tudo], mas ajuda”, diz o empresário.

Em setembro, a obra ainda estava na fase inicial de terraplanagem. Em meados de dezembro, a construção havia avançado, mas não estava pronta para a instalação do maquinário. Enquanto isso, a Lajeadense Vidros opera temporariamente em um pavilhão alugado, com um terço de sua capacidade.

O empresário espera conseguir ocupar as novas instalações a partir de março, com foco em ampliar a produção e “pagar a conta”. “O nosso futuro é aqui. A Lajeadense fez agora 66 anos. Os próximos 66, os próximos 100 são aqui.”

Prestes a completar o centenário, a Vinagres Prinz precisará abandonar Lajeado, onde funciona no mesmo endereço desde sua fundação, em 1925.

A permanência ficou inviável após as enchentes destruírem não só as instalações físicas da empresa, mas também as mudas a partir das quais o vinagre é fermentado e multiplicado. Apenas uma delas restou incólume às águas que invadiram o edifício.

A nova fábrica será instalada no município vizinho de Estrela, a 113 km da capital. A diretora comercial da Prinz, Janaína Koller Martinez, diz que foi uma decisão difícil, mas a companhia não tinha condições financeiras para arcar com um novo terreno em Lajeado, onde os preços dispararam após as enchentes.

“Vai ser difícil, emocionalmente falando. É uma história muito bonita com Lajeado. A gente tentou muito ficar. Mas não é fácil achar um lugar ideal, e não é fácil também ter apoio para isso”, afirma.

Ela calcula que a companhia teve um prejuízo de pelo menos R$ 25 milhões. O valor inclui a perda da área onde a fábrica hoje está instalada e que muito provavelmente ficará inutilizada. Para erguer a nova sede, a empresa precisará investir outros R$ 30 milhões a R$ 35 milhões.

Enquanto a obra não é concluída, a Prinz segue operando nos pavilhões à beira do rio Taquari. A linha de produção conseguiu retomar 100% das operações. A situação, porém, está longe de ser considerada normal.

Na linha de produção, retomada após incontáveis rotinas de lavagem e esterilização, os sinais de amassado são a evidência incômoda da virulência com que a água derrubou os toneis de vinagre. Mais de 200 mil litros estocados foram perdidos em meio às enchentes.

A memória da companhia também foi carregada. “A gente não tem uma foto da empresa. Não tem foto das garrafas antigas. Tinha todo um acervo, subimos tudo para o outro andar, onde tinha salvo da outra vez. E pegou [água] lá, ficou só o telhado de fora. Foram seis metros de água”, diz a diretora.

Após a enchente de setembro de 2023, os funcionários tentaram digitalizar uma parte do acervo, que incluía também contratos e outros documentos jurídicos. “Mas são 100 anos. Então, muita coisa a gente conseguiu digitalizar, mas não tudo”, afirma.

O presidente da Fecomércio-RS (Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Rio Grande do Sul), Luiz Carlos Bohn, afirma que a migração de instalações não se dá apenas na indústria, mas também no setor de comércio e serviços. Além das fábricas, há depósitos e centros de distribuição sendo movidos para locais mais seguros, longe do alcance da água.

“Se a gente pede para as pessoas tirarem as casas próximas do rio, porque não deverão tirar as fábricas também?”, diz.

Segundo ele, muitos pequenos negócios, inclusive na região metropolitana, foram tão afetados que acabaram fechando.

Dados de outubro do boletim tributário da Secretaria de Fazenda do Rio Grande do Sul mostram que, dos 3.307 estabelecimentos de maior porte localizados nas áreas, 13% ainda operaram em nível considerado baixo (vendas abaixo de 30% da média anterior às enchentes), e outros 5% em patamar médio (vendas entre 30% e 70% do normal).

Entre as 5.106 empresas do Simples Nacional situadas na área alagada, 15% estavam operando em nível baixo e 3% em nível médio.

Além disso, o número de empresas que emitiram notas fiscais é cerca de 11% menor do que o verificado antes da tragédia, numa indicação de que algumas não conseguiram retomar suas atividades. “Fica evidente que houve uma grande transformação produtiva das áreas afetadas, com uma redução de empresas em atividades nessas localidades”, afirma Bohn.

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