Mesmo reafirmando sua oposição ao polêmico acordo bilateral entre a União Europeia e o Mercosul, o presidente da França, Emmanuel Macron, admitiu não ser “garantido” o apoio de outros países europeus para atingir a “minoria de bloqueio” necessária para impedir a aplicação do tratado.
“Estamos trabalhando para isso, para garantir que não haja um desmembramento do acordo, para garantir que haja uma minoria de bloqueio e para convencer todos os nossos parceiros, porque acho que nossos argumentos são os mesmos em todos os países da Europa, que estão defendendo a capacidade de produzir”, disse Macron neste sábado (22) na abertura do tradicional Salão da Agricultura de Paris.
A um repórter que comentou que “não há nenhuma garantia” disso no momento, Macron reconheceu que “nunca é garantido”.
Macron disse ainda que vai discutir tarifas comerciais em Washington na segunda (24), em visita ao presidente dos EUA, Donald Trump. Adiantou que não quer “entrar em uma lógica de guerra” com o americano, que anunciou elevação de tarifas de importação.
Os agricultores franceses, cujo lobby político é forte, exigem que a França vete o acordo UE-Mercosul, visto como prejudicial à produção local. Entre as cotas previstas, a União Europeia poderá importar anualmente do Mercosul 99 mil toneladas de carne bovina, 180 mil de toneladas de carne de aves e 16 milhões de toneladas de açúcar. Esses totais representam pouco mais de 1% da produção europeia.
O acordo, que vem sendo negociado há 25 anos, foi assinado em dezembro passado, em Montevidéu (Uruguai), durante a Cúpula do Mercosul, com a presença altamente simbólica da presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen.
Isso não significa, porém, que já esteja em vigor. Para isso, a Comissão precisa submeter o acordo a outras duas instâncias da União Europeia, o Conselho e ao Parlamento. Existem duas possibilidades de conclusão do acordo: como texto único ou desmembrado em dois, com uma parte “política” e outra “comercial”. Cabe ao Conselho decidir a alternativa a ser adotada.
Caso o acordo seja mantido como texto único, precisa de ratificação de todos os Estados-membros —e nesse caso a França de Macron teria poder de veto. Porém, caso seja desmembrado, a parte comercial, que é a fonte da polêmica, só pode ser bloqueada por iniciativa de 4 dos 27 Estados-membros da UE. E é preciso que a população desses quatro países represente pelo menos 35% do total do bloco. Por enquanto, a França não dispõe desses apoiadores.
O pretexto dos franceses para se oporem ao acordo seria a insuficiência de “cláusulas-espelho”, exigências a serem cumpridas pelos dois blocos —sanitárias e ambientais, por exemplo. A França alega que as normas sul-americanas são menos rígidas, o que o Mercosul contesta.
“Esses acordos, na medida em que não possuem as chamadas cláusulas-espelho, que protegem contra a concorrência desleal, e as chamadas cláusulas de salvaguarda, que possibilitam interromper um mercado desestabilizado, não temos isso nesse texto. Portanto, é um texto ruim, tal como foi assinado. Faremos tudo o que pudermos para garantir que ele não siga seu caminho, para proteger a soberania alimentar francesa e europeia”, afirmou Macron.
Com a política protecionista praticada por Washington desde a volta de Donald Trump à Casa Branca, porém, acordos comerciais que reduzam a dependência em relação aos EUA ganharam um interesse renovado. É o caso do Ceta, acordo de livre-comércio semelhante, celebrado entre Canadá e União Europeia.
Na abertura do Salão da Agricultura de Paris, um repórter canadense perguntou a Macron sobre o futuro do Ceta (sigla em inglês de “Acordo Comercial e Econômico Abrangente”). Assinado em 2017, ele até hoje é aplicado de forma provisória, pois dez países europeus ainda não o ratificaram.
“Esse acordo foi bem negociado”, respondeu Macron, sobre o Ceta. “Há cláusulas-espelho e medidas de salvaguarda. E é bom para nossa agricultura, porque nossos produtores de queijo e de leite estão exportando.”