Há algumas semanas, a Abras (Associação Brasileira derevelou que, em dezembro de 2024, o valor necessário para comprar uma cesta básica chegou a R$ 795, quase 10% a mais do que os R$ 722 de dezembro de 2023. Foi a maior alta acumulada em um ano desde 2021 (+10,3%) e mais do que compensou a queda de 4,2% observada em 2023.
Como a inflação varejista brasileira medida pelo IPCA subiu 4,8% no ano passado, a evolução apontada no parágrafo anterior deixa evidente que houve um expressivo encarecimento relativo dos produtos mais básicos em 2024, sobretudo alimentos (a cesta básica também engloba alguns produtos de higiene pessoal e limpeza).
Será que o poder aquisitivo da população acompanhou essa elevação do preço da cesta básica? Considerando o salário mínimo nacional, de R$ 1.412 no ano passado, observa-se que, em dezembro de 2024, um salário mínimo comprava 1,77 cesta, contra 1,83 em dezembro de 2023.
A queda no poder de compra, de pouco menos de 3%, foi menos intensa justamente por conta do reajuste do salário mínimo. Ainda assim, é importante notar que, no pico recente, em janeiro de 2024, esse poder de compra foi de 1,93. Na média de 2017 a 2019, antes da pandemia, o poder de compra foi bem maior (cerca de 2,1 cestas) e o valor mais baixo desse indicador foi atingido em julho de 2022 (1,56). Com efeito, no último mês de 2024, o poder de compra do salário mínimo em termos de cestas básicas foi quase 16% mais baixo do que aquele observado nos três anos anteriores à eclosão da pandemia.
Mas nem todo mundo ganha exatamente um salário mínimo. Nesse contexto, é interessante também comparar o valor da cesta com o rendimento médio do trabalho, que leva em conta não somente os salários médios recebidos por quem tem carteira assinada mas também a renda dos informais, funcionários públicos, os que trabalham por conta própria (formais e informais) e empregadores.
Levando em conta esse rendimento médio, já com os dados mensalizados pelo Ipea (os números divulgados pelo IBGE correspondem a médias móveis trimestrais), temos o seguinte quadro: em dezembro de 2024, o poder de compra foi de 4,12 cestas, vindo de 4,21 em dezembro de 2023. Na média 2017-19, ele havia sido de 4,7; e o valor mais baixo já registrado no período recente foi em junho de 2022, de 3,45. Neste caso, a perda de poder de compra ante o observado antes da pandemia é um pouco menor, mas ainda bastante relevante, da ordem de 12%.
Portanto, mesmo com a taxa de desemprego brasileira tendo passado de cerca de 13% em 2017 para perto de 6,5% no final do ano passado, já em termos dessazonalizados, está relativamente mais caro comprar o básico hoje para sobreviver (ainda que o pior momento tenha sido em meados de 2022, logo depois do início da guerra entre Rússia e Ucrânia). Naturalmente, quem mais sofre com isso é quem ganha menos, embora o problema pareça ser generalizado.
O que gerou isso? Minhas estimativas apontam que o repasse cambial na cesta básica é muito superior àquele observado na média dos produtos: cada 10% de desvalorização do R$/US$ gera um aumento de 2,2% na cesta básica e de 0,8% no IPCA como um todo. No ano passado, a depreciação foi de quase 25%, explicando pouco mais da metade da alta de 10% da cesta.
Como já argumentei aqui antes, quase metade da desvalorização do real no ano passado se deveu a fatores externos, com o restante sendo explicado por fatores locais —sobretudo as preocupações crescentes quanto à dinâmica prospectiva da dívida pública brasileira.
Colunas e Blogs
Receba no seu email uma seleção de colunas e blogs da Folha
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.